Eu percebi que minha avó estava mal, mesmo, quando ela me perguntou para que time eu torcia, certa vez, no sofá da casa dela. As nossas "provocações" clubísticas eram parte importantíssima das nossas vidas desde que eu aprendera a falar. Eu sempre dizia a ela que o Curíntia ia perder. Ela sempre me dizia que quem ia perder era o Parmera.
A linhagem alvinegra da minha família começou com meu bisavô, o Vô Totó, que nasceu em 1910 e era dois meses mais velho do que o time para o qual ele decidiu torcer. Foi dele que a Vó Cela, a Dona Iraceli, que nos deixou no último sábado, herdou esse amor enorme pelo Alvinegro do Parque São Jorge, que passou à minha mãe, Sandra.
Minha Vó Cela era só amor.
Vô Totó, na época em que só a Globo tinha sinal em Pereira Barreto, lá pelo começo dos anos 1980, passava horas ouvindo chiados em rádios de pilha para tentar descobrir quanto tinha sido o jogo do time dele. E chegava na casa da filha todo contente para contar o resultado à minha avó, que morria de orgulho - do time e do pai dela.
Minha avó era muito engraçada. Tropeçava e caía com frequência, vivia com hematomas de topadas contra maçanetas, paredes, sofás, enfim, tudo que "cruzasse" o caminho dela. Uma dessas cenas em especial, aconteceu após um jogo do Corinthians, com um gol bem à moda do Corinthians.
Era 15 de julho de 1995, na cidade de Pereira Barreto, a 620 km de São Paulo. Eu tinha 14 anos. Como de costume, eu estava deitado na rede da casa dela, que ficava na sala. Corinthians e Portuguesa jogavam pela fase semifinal do Paulista daquele ano. Só eu e a Vó estávamos assistindo ao jogo. Eu já comemorava em silêncio a provável eliminação do rival. A vó torcia.
Aos 43 min do 2º tempo, Marcelinho bateu falta pela esquerda do ataque. A bola veio rasante. Bernardo subiu muito, quase na risca da pequena área e desviou para fazer o 1 a 0 que culminou na classificação do time à decisão. A Vó ficou doida, saiu correndo em direção à varanda para contar à minha mãe sobre a vitória.
No caminho, havia uma bola de basquete. É claro que minha avó tropeçou na bola e quase caiu. E minha raiva por aquele gol era tanta que, por um milésimo de segundo, eu quase fiquei feliz com o tropeção dela. Eu já estava prevendo que a final contra eles ia ser terrível pra gente.
Na penúltima vez que a vi, em novembro de 2016, fui visitá-la com a camisa do Palmeiras. Ela já estava meio mal, mas ainda me reconheceu. E reconheceu a camisa.
"Coisa feia, credo."
Na hora de ir embora, tiramos uma foto sob uma bandeira do Corinthians que ela tinha no corredor da casa dela.
Vó Cela, ontem foi o seu funeral e teve jogo do Corinthians. Eu gostaria que a senhora soubesse que, claro, eu torci contra. E eu acho que essa é a melhor homenagem que eu poderia ter feito à senhora.
Sensacional!
ResponderExcluir