O primeiro abraço que recebi após ser campeão, pela primeira vez, em 12 de junho de 1993, não foi do meu pai.
Lembro-me como se fosse hoje do sorriso e dos braços abertos do Siro Casanova, tais como os do Evair, após decretar o 4 a 0, na final do Paulista daquele ano. Meu pai e ele me esperavam no portão do prédio em que eu morava, no bairro de Perdizes, minutos após o apito final.
Enquanto o velho Wagner ficava meio escondido na calçada, sem jeito, pois nunca fora expansivo nas comemorações esportivas, Siro parecia um menino. Antecipou-se para receber meu abraço, após eu percorrer correndo o hall social do velho Edifício Maria Helena vestindo a camisa listrada do Palmeiras com o patrocínio da "Parmalá" - como o Siro pronunciava o nome da empresa.
Foi no apartamento do Siro, duas ruas acima da nossa, que meu pai assistiu ao jogo mais importante de nossas vidas. Assim como meu pai não liga de ter sido o Siro, e não ele, quem me deu esse abraço, eu também não me importo nem um pouco que tenha sido ele a companhia do velho nessa data durante a partida.
Minha mãe, que é corintiana, sempre fala que torcer pelo Palmeiras é mais amplo do que torcer para outros clubes.
Envolve torcer pela piscina, pelo estádio, pelo clube social, pelo balet e, claro, pelo basquete. É tudo uma coisa só. Existe mesmo um senso de "famiglia", de reconhecimento, de fraternidade. Talvez por sermos um clube fincado em um bairro, no qual somos vizinhos de geografia e alma. Talvez por sermos menos numerosos e, mesmo, assim, enfrentarmos os adversários que prevalecem numericamente. Mas há mesmo, entre nós, um senso de pertencimento, de grupo.
Poucos caras representaram tanto esse sentimento de palmeirismo como o Sirão. Jogou futebol, como goleiro. Frequentou o clube semanalmente. Participou ativamente da política. Foi conselheiro. E, no Basquete, como diretor, deu sua maior contribuição, ao fazer, recentemente, uma modalidade tão tradicional de nossa história renascer e brilhar, tanto na divisões de base quanto, por um curto período, na principal. Como já fizera nos anos 1970.
Para facilitar, Siro muitas vezes me apresentava como seu sobrinho. Era mais do que justo. Ele afinal, me viu crescer dentro e fora do clube, desde muito jovem. Com ele, assisti a muitos jogos no Palestra Itália e no Pacaembu. Mais de 100, certamente. Chegávamos antes ao estádio, eu ele e meu pai. Muito antes.
No início, eles ficavam conversando, e eu ouvindo. Até o dia em que o Siro me perguntou.
- E você, Di, quem desse time você acha que está jogando melhor?
Falávamos do time de 1993. E minha resposta foi Roberto Carlos. Foi a primeira vez que um adulto quis saber de verdade o que eu pensava sobre algo ligado ao futebol.
Com Siro, meu pai e Júlio, seu sobrinho, viajei pela primeira vez para fora do Brasil. Um dia antes do embarque, então com 10 anos, caí de cama. Diante daquele quadro, meu pai jogou a toalha, já havia desistido de viajar. Eu estava com febre, desidratado, com calafrios. Mas Siro não desistiu.
Com uma cara séria, mas carinhosa, ele foi ao quarto em que eu estava deitado e me informou que embarcaríamos, sim, no dia seguinte.
- Olha, Di, amanhã você vai me ligar e dizer "Sirão, fiquei bom, vamos viajar?", tá?
E eu acreditei naquilo. Não me parecia uma hipótese, simplesmente era algo que ia acontecer. Algo na maneira como ele me encarava, olhando para mim como se eu fosse adulto, me fazia crer naquilo. E assim foi. Acordei curado do que quer que fosse, passei a mão no telefone. E fomos para os EUA.
Em nossa última conversa, pouco dias antes de sua internação derradeira, falamos pelo Facebook, sobre, claro, o Palmeiras. E tentamos combinar ali a nossa segunda viagem para o exterior juntos.
- Sirão, você vai sarar disso aí e nós vamos para Dubai ver o Palmeiras no Mundial desse ano, beleza? - disse a ele, em dado momento, numa tentativa de repetir aquele gesto que ele fizera por mim 26 anos antes.
Fique olhando para a tela do messenger, que me mostrava que ele estava digitando, e levantei para buscar um copo d'água. Quando voltei, Siro já não estava mais online, e a resposta não estava na tela.
Não sei o que ele pensou em responder. Não sei se não quis destruir minha ilusão de que o Palmeiras chegará ao Mundial. Não sei se quis somente evitar fazer uma promessa que ele talvez julgasse que não fosse conseguir cumprir.
Na última vez em que nos vimos, Siro não estava mais falando. Mas abriu os olhos, uma, duas vezes, e nos viu, a mim e ao meu pai, pela última vez. No tempo que durou aquele último olhar, só consegui sorrir e bater no meu peito, apontando para ele, para que ele soubesse que morava ali. E que é ali, no meu peito, junto ao escudo do Palmeiras, que ele estará para sempre. Nos EUA, no Oriente Médio e, principalmente, na Vila Pompeia.
Viva meu tio, meu irmão Siro Casanova!
Uma grande perda para famiglia palmeirense. Um dia triste.
ResponderExcluirMuito.
ExcluirSem mais..realmente torcer pelo Palmeiras e amplo..va com Deus
ResponderExcluirLindo registro. Que sirva de exemplo e inspire as futuras gerações palestrinas. Idealista e coração infinito em prol da nossa querida Sociedade Esportiva.
ResponderExcluirObrigado, Galuppo. Digo o mesmo da sua homenagem em texto.
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