O jogo inteiro. Sem exagero. Por 90 minutos, mais acréscimos, um casal reclamou com os torcedores à sua volta que não cantavam todas as músicas entoadas pela torcida organizada do Palmeiras, na semifinal do Paulista-17, contra a Ponte, no último sábado.
Antes de qualquer coisa, quero deixar claro meu respeito pela função das organizadas e pela maneira como torcem. Vale, contudo, frisar: cantam assim, torcem assim, porque querem. Ninguém os obriga. Fazem porque gostam, ou porque acham que devem fazê-lo. Ninguém é obrigado a concordar e imitá-los. Sentam-se juntos, vestem-se do mesmo modo e beleza.
Pois o casal, que parecia ser de irmãos, a julgar pelo timbre das vozes e pelos maneirismos semelhantes ao falar, passou o jogo inteiro reclamando que a torcida do Palmeiras estava "passando vergonha pra essa bosta de Ponte Preta", porque nem todos estavam cantando sem parar. Eles não estavam em meio a outros organizados. Estavam num setor neutro, onde havia velhos, crianças e, pasmem, gente que só queria ver o jogo.
O Palmeiras jogava seu futebol burocrático. Jean parecia um gerente da lateral-direita, cumprindo os afazeres da função. Egídio evidenciava sua dificuldade com a arte do raciocínio sempre que encostava na bola. Borja não acertava nada. Deve, inclusive, ter errado até na hora de escolher o pé das chuteiras. Mas os irmãos cantantes só reclamavam dos seus pares, que não cantavam sem parar, como eles queriam e faziam.
"Canta, caralho, seus morto (sic)!", bradava do alto de seu 1,50 m a voz feminina do duo. E lá ia ela, cantando que, em 93, nos ganhamos o Paulistão em cima do Corinthians e foi 4 a 0. Essa é uma das músicas mais legais da torcida alviverde, mas, certamente, não conjurava ali nenhum feitiço para o Palmeiras jogar um futebol que lhe garantisse os três gols necessários para a classificação.
E não bastava cantar. Era preciso cantar mais forte os trechos que os cantores do Superior Norte achavam mais relevantes. Na música que diz que "a gambazada viverá a chorar", o fato de esse verso, que é sempre cantado com mais ênfase pela torcida, ter sido assim cantado, incomodou o irmão. "Ah, pra falar gambazada cêis grita?", indagou, em tom desafiador, nosso jurado do The Voice Palestra.
Virou moda decidir como o outro deve torcer no estádio. No combate ao que se generaliza como "futebol moderno", tornou-se pecado assistir a jogos sentado, não cantar as músicas da organizada, xingar o jogador que comete erros. Porque no "futebol antigo", raiz, além das facilidades para adquirir e dos preços menores dos ingressos - o que era bom, mas insustentável -, parece que também todos pulavam e cantavam sem parar, e tal, e todo mundo sofria de hemorroidas. Eu frequento estádios há mais de 30 anos: é mentira, amigos jovens demais para saber.
Eu gosto de cantar uma música ou outra. Cantar o hino do clube, aplaudir esse ou aquele lance, pular, comemorar, apoiar, como sempre faço. Mas gosto de xingar quem erra, de vaiar substituição absurda. E meus triplamente rompidos ligamentos cruzados anteriores dos joelhos agradecem quando eu consigo me sentar, um pouco que seja, ao longo do jogo. E há dias em que só quero assistir, sem um casal me criticar por fazer ou deixar de fazer o que eles acham bacana.
Casal, será que vocês vão ler isso aqui? Eu fiquei com vontade de mandar vocês dois para o inferno, mas não o fiz, porque eu estava querendo ver o jogo, e não queria perder tempo batendo boca com duas pessoas que, claramente, não estavam ali para isso - tampouco demonstravam predisposição para entender quão insuportáveis estavam sendo. Ninguém o fez, aliás. Acho que a maioria estava preocupada em assistir à partida. O que deve ser pecado, também, a não ser que a audiência venha acompanhada de cantorias.
Meu pai tem 65 anos e frequenta estádios há mais de 50. Eu nunca o vi cantando músicas de torcida organizada, muito menos pulando. Mas não conheço um cara mais palmeirense do que ele.
Fica aqui meu recado para vocês, que gritam nas orelhas alheias pedindo o jogo inteiro para seus pares cantarem como vocês querem, e para todos que querem definir, com superioridade, como é o jeito certo de torcer: vocês são bobões, igual ao "Craque" Neto o é na avaliação do Felipe Melo. Ninguém é obrigado a torcer do jeito de vocês. Vocês não são mais palmeirenses que ninguém porque sabem todos os versos de todos os cantos da Mancha, acreditem. Apenas parem.
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