A lição mais valiosa que recebi na faculdade de psicologia não me foi dada por um professor, mas sim por um colega. Em uma conversa sobre um assunto do qual nem me lembro, o amigo Jonas Eduardo um dia me disse que, ao avaliar a tomada de uma atitude, o mais importante é perguntar a si mesmo "para quê?". Uma resposta honesta a essa indagação é a chave para que a gente verdadeiramente descubra a validade daquilo que queremos fazer.
Vendo pela TV os quatro torcedores que entraram no Pacaembu para assistir a Corinthians X Millonarios pela Taça Libertadores, por meio de uma liminar, tentei me colocar no lugar deles e perguntei, a mim mesmo, para que alguém como eu, ou aqueles quatro, faria tanta força para entrar no estádio, em uma situação como aquela. Mesmo diante do apelo do departamento jurídico do clube para que aquilo não fosse feito.
Várias respostas vieram a mim como possibilidades. A primeira e mais óbvia foi "para empurrar o time", o que também pode ser traduzido como "por amor". Ok. Todos sabemos que o corintiano, em média, é um torcedor apaixonado, que costuma ter uma relação de co-dependência com seu time. Mas será que quatro vozes gritando realmente fariam tanta diferença para um time acostumado a estádios lotados?
Depois, pensei que o motivo poderia ser fazer valer o direito de consumidor.Ou talvez o direito de ir e vir, respaldado constitucionalmente. Cada um dos torcedores presentes ao Pacaembu havia pagado R$ 300 por aqueles ingressos. Perdê-los seria um prejuízo grande. Mas o próprio Corinthians já havia avisado a todos que o dinheiro será devolvido.
Daí, pensei em algo um tanto mesquinho, mas também possível: para aparecer. É. Ter o privilégio de assistir in loco a um jogo tirado de outros 35 mil é digno de notoriedade.
Eu só vi entrevistas de dois dos torcedores que compareceram ao estádio. Ambos, o advogado Armando Mendonça e Karina Mendonça, cuja profissão desconheço, deram justificativas parecidas. Como já haviam comprado ingresso, e achavam a punição injusta, entenderam por bem brigar por seu direito de ver o jogo no Pacaembu. Não se sentiam passíveis de punição por um crime que não cometeram. Ou seja, prevaleceu a hipótese do direito do consumidor.
Eu estava trabalhando na cobertura do jogo da tragédia de Oruro, no dia em que o garoto Kevin Espada morreu. Estava na redação do jornal em que trabalho, avaliando o desempenho dos jogadores alvinegros, a quem deveria atribuir notas de 0 a 10. Também tive de dar uma opinião geral sobre o desempenho do time.
Foi no intervalo da partida que comecei a ler no Twitter e escutar pelo rádio os relatos dos colegas que estavam na Bolívia. Confesso a vocês que as notas que dei a Paulinho, Guerrero e Emerson Sheik não foram as mais bem avaliadas da minha carreira. Porque eu não conseguia parar de pensar que o pai que estava chorando a morte do filho poderia ser o meu.
Impedir a torcida de ir ao jogo não devolve a vida a Kevin. Tampouco pune o verdadeiro homicida, que a despeito da confissão do menor H.A.M., ninguém sabe de verdade quem foi. Mas, ao menos, dá uma certa noção de satisfação social, de luto. Ao menos por respeito à memória da família do garoto, é digno que jogos de Corinthians e San José não tenham festa por um tempo.
Nesse sentido, e levando-se em conta o motivo para a proibição, brigar na Justiça para se assistir a um jogo que seria transmitido em TV aberta e paga para todo o País não é absolutamente desnecessário? A quantos jogos será que aquele quarteto deixou de ir porque estava chovendo ou fazendo sol demais? Porque havia uma festa de aniversário de alguém, ou porque a namorada pediu para ir ao cinema na mesma data? Brigar para ir justo a esse jogo? Para quê?
Os torcedores que entraram na Justiça para ver o jogo tiveram seus direitos respaldados por juízes. Assim como o Corinthians tem direito de tentar reverter a pena na Justiça Desportiva. Mas é uma briga moral? Quando ouço Mario Gobbi e Roberto de Andrade, presidente e diretor de futebol do Corinthians, respectivamente, esbravejando contra a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), às vezes em tom de troça, algo me soa terrivelmente inadequado. Não errado. Apenas inadequado. E imoral.
Mas, como se diz depois de uma tragédia, sentimentalismo à parte, a vida continua. Menos para Kevin Beltrán Espada, 14 anos, morto por um sinalizador, enquanto assistia, pela primeira vez no estádio, a um jogo do seu time.
Nenhum comentário:
Postar um comentário