Marcos não foi perfeito. Graças a Deus. Pois foi em seus defeitos que ele se construiu ainda mais ídolo para muitas gerações de palmeirenses que acompanharam a sua carreira.
Marcos não foi só um goleiro. Foi e é um palmeirense. Vê-lo em campo era a garantia para o torcedor de que havia alguém no gramado cujo humor do dia, da semana, do mês, dependia daquele resultado.
Boa-praça, engraçado, desbocado, contador de histórias. Caipira. Marcos é citado quase na mesma medida por suas características pessoais quanto por seus talentos técnicos. E olhe que sempre sobraram-lhe talentos. Seus reflexos e elasticidade, impressionantes. A rapidez de seu raciocínio, algo a ser estudado. E a sorte. A sorte que só os grandes têm.
A não ser quando os microfones vinham à sua boca nervosa. Quando o jogo acabava, e o resultado não era bom, Marcos fazia questão de esbravejar sem raciocinar. E xingava quem estivesse pela frente. Fosse colega, técnico, dirigente. Ou ele mesmo. Com frequência. "Eu precisava ser sincero comigo mesmo, para poder dormir", explicou-se, quando já aposentado.
E quando ele cismava de ir à área tentar cabeceio em cobranças de escanteio? Nunca passou nem sequer perto de marcar - exceto por um pênalti sofrido, não anotado, em um jogo que não me lembro contra quem foi. "Esses caras não conseguem fazer o gol. Porra, vou entrar lá", muito torcedor pensa nas arquibancadas. Pois Marcos também era torcedor. Com a diferença de estar em campo.
Marcão também ficou marcado por seus erros, é verdade. O Santo falhou feio na partida mais importante da história verde, contra o Manchester United, no Mundial Interclubes de 1999. Outros goleiros culpariam os refletores, o vento, a bola. Marcos apenas disse: “errei”.
O Marcos do cafezinho no campo contra o Bolívar-BOL, na Libertadores de 2000. O Marcos da furada bisonha contra o Vitória da Bahia, em 2003, naquele 7 a 2. O Marcos das seguidas lesões, que defenderia aquela bola do gol do Santo André, na Copa do Brasil, em 2004, "só com um foguete no rabo". O Marcos do cigarrinho, que me olhou fumar com confessada inveja, após uma entrevista coletiva, no dia do lançamento da clínica de fisioterapia dele, em 2011. O Marcos que tem de ser puxado por seus assessores após as entrevistas. "Tá desligado esse gravador aí, né? Então vamos conversar", diz ele. O Marcão em quem eu bati um pênalti em 6 de dezembro de 2012.
Pois se falhou contra o United, é verdade que também salvou o clube em tantas outras jornadas. Em especial, nas Taças Libertadores de 1999 e 2000. O pênalti de Marcelinho Carioca, defendido no maior Dérbi da história, em 2000, não foi um título. Mas valeu mais do que muito troféu. Nesse dia, Marcos vestiu a camisa 1. Acho que para a gente se lembrar para sempre do maior momento dele no clube.
O Marcos da defesa do chute do Neuville, na final da Copa de 2002, com a ponta da luva. O Marcos que fez um Palestra meio vazio gritar um gol dele, batendo um pênalti, numa interminável disputa contra a maldita Inter de Limeira, após um empate horrível pelo Paulistão de 2001. O Marcos das cobranças da Libertadores de 2009, contra o Sport, e da Copa do Brasil de 2010, contra o Atlético-GO: seis defesas em nove cobranças.
Marcos é mais santo por não querer sê-lo. Poderia ter entrado para a história como o cara que não quis jogar no Arsenal da Inglaterra, em 2003, por amor ao Palmeiras, pela primeira vez na Segundona. Mas preferiu contar a verdade. Recusou-se a ir para o berço do football porque não queria enganar os dirigentes ingleses. Ele não sabia se a mão voltaria a dobrar. "E se eu ficasse com mão de pau?", indagou, entre risos, anos mais tarde.
Quantas piscinas, como aquelas que ficavam atrás do gol do vecchio Palestra Itália, você já fez o palmeirense chorar, Marcão? Quantos "gols", com defesas milagrosas, você já o fez gritar? Quantos palestrinos acordaram orgulhoso após uma vitória "sua"? Quantos já foram a jogos pouco promissores simplesmente pela chance de poder lhe assistir?
Você poderia ser mais que santo, meu velho. Até porque, você já é deus para muitos dos 15 milhões que te adoram. Mas prefere ser humano. E não percebe que, assim, torna-se mais divino, tal qual Ademir. Porque você é ídolo, mas é de verdade. Você é o Marcão.
Por tudo isso é que eu só tenho de lhe agradecer. Entre outras coisas, por ter me ajudado a decidir, já no ano 2000, o nome do meu primeiro filho, que ainda nem nasceu. Esse Marcos do autógrafo que você deu na camisa da foto aí de cima. Você não sabia. Mas em 11 de maio daquele ano, quando Aguirregaray correu para bater o pênalti, no Palmeiras X Peñarol das oitavas de final da Libertadores, eu prometi que daria seu nome ao meu primogênito, se você defendesse.
O meu Marcos não vai ver você em campo. Mas saberá que carrega o nome do maior goleiro que vi jogar. Meu maior ídolo.
"Toma distância, Marcelinho para fazer a cobrança..."
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