sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Filme: "Shirin" - Abbas e o cinema do não-cinema


Relatos que já se tornaram lendários dão conta de que parte da platéia fugiu da primeira sessão de cinema da História. O desespero tomou conta dos espectadores quando a imagem de um trem "veio em direção ao público". Pelas mãos dos irmãos Lumiére, foi nesse dia, em que se viu pela primeira vez a ação retratada em uma tela, que nasceu o cinema.

Com base nesses relatos, alguns podem julgar complicado classificar como cinema a proposta de Abbas Kiarostami em Shirin (2009). Por outro lado, é também bastante difícil desprezar um filme, que mesmo sem mostrar nada mais do que rostos reagindo a uma história, consegue prender a atenção de uma platéia por cerca de 90 minutos, e atrair tantos outros espectadores que, mesmo curiosos, acabam desistindo pelo caminho.

Shirin é isso: uma platéia repleta de mulheres, captadas individualmente, em close, com alguns poucos homens, focalizados apenas em relances, assistindo a um suposto filme épico baseado na lenda da história de amor da princesa armênia Shirin e do príncipe persa Khosrow. As mulheres, todas atrizes iranianas, exceto por Juliette Binoche, reagem à história, emocionando-se com as partes mais tristes, assustando-se com as mais violentas. Vale um destaque para a beleza de algumas das atrizes, em sua maior parte, maquiadas com esmero. E é só isso que a platéia vê.

Kiarostami revelou posteriormente que as atrizes, na verdade, não estavam assistindo a nada. Assim como as platéias de Shirin, as atrizes apenas ouvem a narração dramática do romance inconcluso da pobre princesa rica, enquanto efeitos especiais refletidos em seus rostos emulam os reflexos que cenas de verdade provocariam.

E o pior é que a história, escrita no século XII, é interessante. Então, ficamos ali, platéia, assistindo a uma platéia que está ouvindo uma telenovela em uma sala semi-escura. E tentando entender, pelas legendas apressadas, para dar conta de um rebuscado texto clássico em farsi, porque raios a princesa está no leito de morte do grande amor de sua vida - informação que é revelada logo no início do filme.

Um dos mais celebrados diretores iranianos, Abbas Kiarostami, já há um tempo, vem tentando explorar e descobrir os limites do que chamamos de cinema. Primeiro, com Ten (2002), ambientado totalmente em um carro, em Teerã. Depois, veio Five (2003), que só mostra planos de paisagens, filmadas por tempos determinados e aleatórios, sem qualquer interferência.

Estaria Kiarostami fazendo de seu filme alguma metáfora política? Estaria ele criticando algo? Seria Shirin um manifesto pela afirmação da importância da qualidade dos argumentos e roteiros, uma defesa do cinema como “contador de histórias”? Seria uma crítica ao cinema de efeitos especiais que toma de assalto as telas de todo o planeta?

O que o iraniano está a procurar com esse exercício audiovisual, como bem definiu o jornalista Fábio Fujita (@fabiofujita) é difícil descobrir. Mas é certamente algo que não pode passar batido. Se por nada mais, ao menos pela cara de pau e o inusitado da proposta.


2 comentários:

  1. Diegão, já tinha passado aqui não seu blog, mas não tinha deixado meu comment. Parabéns! Vc sabe que gosto do seu trampo.

    Agora, com relação ao post, conseguiu me deixar muito curioso com relação ao filme! Estava rolando na Mostra?

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  2. Sim Didão. O Blog, por enquanto, só trouxe filmes da Mostra.

    Abraços.

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