terça-feira, 27 de outubro de 2009

Filme: "Kalandia" - A partir de hoje, é proibido cruzar livremente a Faria Lima para Pinheiros


Em 2010, devido a uma ameaça de bomba interceptada pela Polícia Militar, o governador José Serra e o presidente Lula da Silva decidem, em caráter irrevogável, estabelecer uma fronteira na Av. Europa/Cidade Jardim, separando os bairros paulistanos Itaim-Bibi, Vila Olímpia, Vila Nova Conceição, e tudo que vier depois e ao lado, dos bairros de Pinheiros, Perdizes, Sumaré, e adjacências.

Seguindo pela Av. Europa, a fronteira, inicialmente improvisada com arames e sacos de areia, vai se tornando muro, com um setor para travessia, com catracas e soldados do exército, na altura da Avenida Faria Lima. A fronteira sobe a rua Colômbia, a Augusta, passa à porta do Espaço Unibanco, segue até o centrão e termina ali no Hotel Cambridge, aos pés do Edifício Joelma, entre Vale do Anhangabaú e Nove de Julho. Ali está o outro ponto de travessia, com catracas e soldados do exército. Não há como dar a volta. Nos locais onde ainda não há muro, bloqueios do exército, com tanques e metralhadoras, impedem o trânsito.

Só passam de um lado para o outro, livremente, descendentes de portugueses de 1ª geração portando passaporte da comunidade européia que comprove o parentesco. Todos os demais precisam aguardar na fila, pelo tempo que levar. Também apenas os descendentes de portugueses de 1ª geração podem atravessar de carro. Os demais atravessam a pé, aconteça o que acontecer.

Em média, o processo de travessia leva cerca de 3 horas, em um dia tranqüilo. Em feriados e datas comemorativas, como o Dia das Mães, por exemplo, pode-se aguardar até cinco horas na fila, ou até mesmo não se conseguir cruzar, devido ao excesso de pessoas.

A iniciativa brasileira não é questionada pela Organização dos Estados Americanos, pela ONU ou pelos Estados Unidos, que até enviaram tropas para auxiliar o processo.

Corte rápido para Israel/Palestina. Criado em 2001, o checkpoint de Kalandia, separa Ramallah e a parte oriental de Jerusalém, em termos muito práticos, dois nomes para a mesma região. De diferente com a absurda situação fictícia envolvendo São Paulo, troque-se portugueses por israelenses, e some anos de ódio, baseados na religião, e uma Guerra ininterrupta e constante.

Trabalhando em um grupo de Vigilantes contra atrocidades ainda maiores na travessia de Kalandia desde 2001, a israelense Neta Efrony retratou, diariamente, a vida de pessoas que, de um dia para o outro, simplesmente não podiam mais ir para a escola, a casa de seus pais, um hospital ou visitar sua noiva(o) sem dar explicações ao exército israelense e atravessar uma absurda fronteira.

Do filme, tecnicamente, não há muito para se falar. Kalandia (2008) é pouco mais que uma colagem de imagens captadas ao longo de todos esses anos, mostrando tanto a 'evolução' do checkpoint, quanto do ódio e das animosidades semeadas e amplificadas diariamente por uma arbitrariedade patrocinada pelas nações mais ricas do mundo e perpetrada pelo "povo do livro". Uma narração em off, algum áudio direto captado pela câmera amadora usada pela cineasta e cartelas em preto com datas em branco, além dos créditos finais sob o som de um Salmo musicado, são os únicos acompanhamentos para imagens, que falam sozinhas.

Em uma das cenas mais marcantes do filme, um dos entrevistados pela diretora chega a dizer que está pronto para largar sua profissão para trabalhar para o Hezbollah, por não mais suportar a humilhação diária de ser tratado pior do que gado para poder andar pela cidade em que mora com seus seis filhos.

É preciso entender que se trata de uma guerra, dirão os defensores da atitude de Israel. O que é realmente preciso entender é que estamos falando de pessoas que tiveram suas vidas tomadas e destruídas, sob a justificativa de que Israel luta, em nome de Deus, para ter sua terra de volta.

Que terra? Aquela que irá cobrir os seus caixões?

Kalandia é um filme que precisava ser feito - e que precisa ser visto. Em tempo: no monólogo final, a diretora israelense informa que se converteu ao Budismo.

(Nota: Assisti ao filme pelo sistema de streaming oficial da Mostra, em The Auters (www.theauters.com). Tirando alguns poucos travamentos, uma experiência muito boa. Alternativa excelente para quem não quer perder a mostra, nem nos dias de tempestade em São Paulo, como a que travou a cidade nessa segunda-feira, 26 de outubro. Falando em streaming, vale destacar a brasileira NetMovies (www.netmovies.com.br) que também disponibiliza streaming de filmes, entre eles clássicos de Truffaut, Buñuel e Hitchcock. Vale conferir. )

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