quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Filme: "Corações em Conflito": Menor e Maior


Evocar o blockbuster Babel (2006), de Alejandro Gonzales Iñarritu, é inevitável quando se assiste a Corações em Conflito (2009), do sueco Lukas Moodysson.

Mas a comparação não é a mais acertada. Pois embora ambos confrontem culturas estrangeiras e usem diálogos em vários idiomas, além de trabalhar com a já batida concepção de aldeia global, Corações encontra na própria obra de Iñarritu um irmão menos grandiloqüente, com quem se parece muito mais. Trata-se de Amores Brutos (2005). Assim como no filme que Iñarritu dirigiu há quatro anos, Corações tem como segredo um elenco muito bom e homogêneo, que aliado a uma direção firme e a um bom ritmo, resulta em um filme quase sempre sólido.

Cabe, já de início, um destaque negativo para o vago e nada inspirado título que o filme recebeu em português. Batizado originalmente como Mammoth, o animal pré-histórico, o filme certamente perde parte de sua essência e falha na tentativa de alcançar uma pretendida vantagem comercial para o mercado brasileiro. Ao contrário, o título em português infelizmente arrisca lançar o filme a uma vala comum, como mais do mesmo, o que certamente não é.

Gael Garcia Bernal, em um tom bastante acertado, vive Leo Vidales, inventor de uma rede social que o acaba transformando em uma espécie de hyuppie (mistura de hippie com yuppie) involuntário. Leo é casado com a cirurgiã Ellen (Michelle Willians, ótima) e pai da encantadora Jackie (a talentosa menina Sophye Nyweide). Morando em um estúdio no SoHo, em Nova York, Leo e Ellen, contam com a ajuda da governanta filipina Glória, a quem Jackie, até por força das circunstâncias, torna-se crescentemente apegada.

Glória, mão solteira, está nos Estados Unidos levantando fundos para a construção de uma casa em seu país de origem. Para trás, com sua mãe, Glória deixou os filhos Salvador, também conhecido como Badong, de dez anos, e Manuel, de 7.

Leo toca seus negócios com a ajuda do executivo Bob (Thomas McCArthy), que assume a frente comercial da companhia para que o genial, porém de certo modo infantilizado Leo, possa continuar se divertindo com seu trabalho. E é na companhia de Bob que Leo parte para a Tailândia, a fim de fechar um contrato que, consumado, vai permitir que não apenas as próximas dez, mas sim as próximas 35 gerações de sua família, vivam sem sequer imaginar o que é não ter dinheiro.

Enquanto Leo parte para a Ásia, onde só então se depara com uma necessidade enorme de ser menos para ser mais, Ellen, num movimento (simploriamente) compensatório, por sentir-se distante da filha, acaba deixando a vida de um paciente se misturar demais à sua, erro que qualquer espectador de série médica, de ER a House, passando por Scrubs, reconhece como potencialmente devastador. E Glória, sob apelos de seu filho mais velho, empaca na decisão de retornar ou não às Filipinas, mesmo sem concluir seu objetivo do lado de cá do globo.

Com uma temática quase psicanalítica, Corações em Conflito trabalha com a questão do desejo versus a necessidade, e de como a não realização dos desejos - Freud sorri em seu túmulo -, tanto no sentido de concretude, quanto no de percepção, pode levar a atitudes extremadas e, aparentemente, pouco explicáveis. Os personagens de Corações parecem sempre cair num sistema triangular que os guia sobre cada um dos seus três vértices complementares e confrontantes:1. O certo X O desejo; 2. O desejo X O necessário; e 3. O necessário X O certo.

Relembrando pouco o diretor do muito independente Bem-Vindos, de 2000, Moodysson faz um bom filme que, assim como Léo, entretanto, parece se ressentir de ter ficado tão grandioso e permissivo com algum pseudo-moralismo e lugares-comuns. E que por isso, calcado nas suas grandes atuações - também as secundárias, com destaque para a linda tailandesa Run Srinikorchnot, como Cookie - resiste bravamente. Às vezes, consegue.

Indicado ao Urso de Ouro em Berlim, Corações em Conflito certamente fará muito bem a uma evolução comercial da carreira de Moodysson, se ele assim quiser e julgar adequado. Mas será que precisa?

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