Um conto de fadas azeri (ou arzebaijano) conta a história de uma linda princesa aprisionada em um castelo com mais de 40 portas. Ao longo dos anos, vários tentaram, mas nenhum dos nobres cavaleiros que partiram para seu resgate, obteve sucesso. Desse modo, só se pode concluir que a princesa está por trás da última dessas portas, a 40ª. É desse conto que os pobres moradores de um vilarejo na cidade Baku, no Afeganistão, emprestaram o nome para o local onde moram. E foi com esse nome que o estreante diretor Elcin Musaoglu decidiu batizar seu filme de estréia.
Realizado com recursos obtidos por meio de um concurso, A 40ª porta (40-ci capi, 2009), é um filme ingênuo, quase primário, tanto no seu tema quanto nos seus roteiro esquemático e atuações canhestras. Mas tal como os filmes feitos por seus quase-vizinhos do Irã, com cuja estética o filme azeri divide várias semelhanças, A 40ª porta tem uma poesia suave, que se revela aos poucos (devagar-quase-parando, para ser mais preciso), até seu desfecho.
Após o assassinato de seu pai por membros da máfia russa, em Moscou, o garoto Rustam, de 14 anos, decide assumir a condição de homem da casa, a fim de evitar que sua mãe tenha que trabalhar fora - vergonha absoluta para o nome de seu falecido pai. Para tanto, contra a vontade da mãe, Rustam decide abandonar a escola e passa a lavar carros estacionados na rua em troca de gorjetas (em um passe de mágica, todos os flanelinhas de São Paulo me parecem muito menos invasivos).
Em sua nova profissão, Rustam logo encontra problemas com os "donos da rua", para quem tem que pagar uma porcentagem de seus ganhos se quiser continuar trabalhando. Ao se recusar, o garoto compra uma briga que vai lhe perseguir até o final do filme. Desiludido, Rustam então se aproxima de um malandro local, impecavelmente vestido em um terno bege claríssimo, que vive de pequenos furtos e esquemas excusos, interpretado de maneira classicamente canastra pelo próprio diretor do filme.
Relutante em entrar de vez para a ilegalidade, mas certo de que não quer ver a mãe trabalhar, tampouco ter de vender o raro tapete que tem em casa, única herança deixada pelo pai, Rustam começa a viver cada vez mais unicamente da esperança de que seu tio, que trabalha na Marinha Russa, irá entrar em contato para lhes enviar dinheiro. Para piorar, o garoto ainda acha tempo para um repentino interesse em se tornar músico que, motivação pouca é bobagem, começa a fazer com que passe a cobiçar um tambor exposto em uma vitrine.
Mesmo com seus problemas, A 40ª porta é um rico objeto de observação sócio-política e cultural sobre o Arzebaijão, constituindo mais um feliz registro da sobrevivência do cinema como tentativa mínima de manifestação artística em realidades tão distantes do modelo ocidental.
E como na história infantil cujo nome adota, o filme esconde sua recompensa na última de suas portas. Pela curiosidade, e por essa última e redentora cena, que de tão inocente, se torna linda, o filme vale seu ingresso.
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