Maradona foi meu companheiro por 40 anos, dois meses e quatro dias.
Fui um Diego precoce. Meu pai descobriu antes do mundo inteiro que havia um gênio entre nós jogando futebol. E muito antes das Copa de 1982 e 1986, foi por causa do Mundial de Juniores de 1979 que, em 80, eu ganhei meu nome.
Por pouco, não fui Diego Armando. Minha mãe, que na verdade queria eu eu me chamasse Diogo, vetou. Assim como na cor da camisa verde que eu viria amar, meu pai também acertou nessa escolha.
“Sou” Maradona desde as mais antigas lembranças. E ter o prenome de um gênio ajudou em muito a minha autoconstrução.
Lembro-me de ainda muito criancinha, com 4, 5 anos, já ser chamado pelo nome dele. Mas não era só o nome. Sou mestiço de tantas etnias - japonesa, italiana, austríaca, espanhola e piauiense - me deram uma cara latina genérica. Com a qual eu poderia muito bem passar por um irmão dele.
Ter sido sempre rechonchudo e completamente fanático por futebol não atrapalharam nessa fácil associação entre nós. Maradona se impregnou em mim. E eu sempre orgulhei disso.
Don Diego, Dieguito, Diez, Maradona, Marada.
Tem gente que nem sabe que me chamo Diego. Mas quando ouve alguém me chamar de “Marada”, entende na hora ser uma corruptela do sobrenome dele. E não acha nada estranho me chamar assim.
Quando Maradona começa a costurar a defesa do Brasil, antes de enfiar pra Caniggia driblar Taffarel, na Copa de 1990, um arrepio, exatamente como o que sinto agora, me pegou de surpresa. Eu não consegui ficar triste.
Na final, me vesti com uma camisa da Alemanha Ocidental para torcer por Lothar Matthaus. Galvão Bueno me convencera de que os argentinos eram inimigos. Mas em minutos, me vi torcendo por Diego. E triste, como ele, ao fim da partida.
Chorei escondido quando ele foi pego no doping atuando pelo Napoli. Chorei mais ainda quando ele foi sacado da Copa de 1994. Houve quem zombasse do beijo de Maradona nos lábios de Canni, quando ambos encerravam suas carreiras pelo Boca. Eu achei lindo.
E como torci pelo técnico Diego Armando Maradona em 2010.
Eu ainda nem sabia falar espanhol quando comprei a autobiografia de Diego e o CD de Rodrigo, que eternizou o craque em forma de letra e música, no começo dos anos 2000.
“Cargó una cruz en los hombros, por ser el mejor, por no venderse jamás al poder, despertó, curiosa debilidad, se Jesús tropezó, por que no habria el de hacerlo?”, cantou o cordobés.
Por que no?
Uma vez em Buenos Aires, me revelei Diego e fiz chorar um garçom, que não devia ter 19 anos, na Recoleta, ao responder: “Pelé o Maradona?”
Que pergunta...
Quando Diego foi internado há doze dias, eu pedi aos meus chefes na ESPN para escrever seu obituário. E o fiz com lágrimas nos olhos, caprichando ao máximo, lapidando cada frase, torcendo para jogá-lo no lixo.
Mas eu sabia que a hora estava chegando. Como dói, Diego. Que vazio.
Em meio a essa tristeza demolidora, confortou-me ter recebido condolências de verdade de tantos amigos, gente que eu não vejo ou com quem não falava há muito tempo.
Fiquei em parte feliz de descobrir que Diego era visto em mim como eu sempre fui visto nele.
Voy seguir con nuestro nombre y defendiendo tu legado, Diego. Aunque una parte de mi, una parte de nosotros, se tenga ido.
Te quiero, Diego. Y lo voy a querer por todo el siempre.